segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Alagamento


Ai de mim que tenho sido nuvem,
Passo à passo desencadeio-me
Sombra.

Ai te ti que tens sido chuva,
Gota à gota te descubro:
Inundação.

E juntas se vão
Nuvem, chuva
E vão,


Entre o querer e nada ter,
O ser, e nada sou,
Você,
Nuvem de algodão,
Simples assim:

_Ai de ti.
_Ai de mim.

Somos neste momento
Mero alagamento.





domingo, 3 de março de 2013

Inaudível





Eu invadi os seus segredos de alma e corpo, inteira
a lua cheia de medos teimava em te mostrar
o anjo puro sentado na janela da sua sala de estar
buscando a revelação sobre as nossas amendoeiras

dizendo: eu nunca te quis mal

comendo a erva daninha plantada em seu quintal
não percebeu o encanto cultivado a vida inteira
recusou o cheiro das flores, ignorou o umbral
matou a rosa branca brotando em sua antiga soleira

talvez porque não me queira metade do seu jardim
por que debruçou em mim o que deveras plantava
Em dias claros serenos o que eu não mais almejava?

Em teus braços clamei, noites e dias passados
chorei choros embriagados, laços e nós desatados
em luas e verbos estranhos sonhando o que mais desejava

o aroma da flor definhou sob escuridão tão constante
as amêndoas que esperavam você: apenas um sonho errante
eu sigo entoando minha fé nas cordas de um delírio inaudível
saberei sempre quem você é nas sombras do meu sonho impossível.



Fonte da imagem:google




Que dor é essa que o odor da pele
Impregna as narinas e a respiração falha

De onde vem e enviada por quem
Essa dor de soluço e lembrança

Que me seca a boca e retalha a língua
 Essa dor de navalha

E o dia é torto, o corpo já morto
De quem não mais acredita

Que perseverança maldita
Que não cabe em poema

E que me faz tão silêncio
Enquanto a alma blasfema

E não há respostas nos livros
Falta verbo, falta fonema

E que na falta é penúria
Privação que me xinga

E parece mandinga
Que até a fúria se esvai

Só a dor não me falta
Ela chega e não sai.


Imagem: Oil on canvas, 18 x 24 inches by Chistophe Vacher





Desolada-mente


 O coração está penso
 Castrei o que queres ouvir
 Não ouvirás o que penso
 Tampouco o que é porvir.

 Mas veja o bom lado de tudo
 O que era ardor ficou mudo
 Arranhei as cordas vocais
 Nas farpas dos teus varais

 Não sei mais fazer poema
 Estou farta de tanto esquema
Meus verbos embolorados
 Num canto todos jogados

 Esta noite rasguei as cartas
 Não poupei as fotografias
 Muito menos o relicário
E queimei o meu dicionário

 Não há mais nada a temer
 Das minhas palavras estranhas
 Da minha saudade tamanha
 Que pra sempre fiz morrer.

 (foto de Ju freitas) fonte- Blogspot.com