sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Partes de mim


– Inspirado em Traduzir-se de Ferreira Gullar


Intraduzíveis são
As partes que me cabem
Raríssimas as que poucos sabem,

E cada parte discorda da outra
Em gênero, número e grau,

Uma foi vista
Agonizando,
Em pleno carnaval,

Outra estática num farol
Cantarolando um alucinado
Rock’in Roll,

Parte de uma parte
Cruzou a Av. São João
Na contra-mão,

Foi atropelada por um caminhão
De produtos inflamáveis,

Sofrendo lesões irremediáveis,

Algumas partes são conflitos
De doçura, amargura e gritos,

As tantas outras
desvendo sob tortura
E só eu as sinto,

E minto.

Será arte?



Maria Júlia pontes
(Imagem: Acrílico sobre tela de Henrique)www.decorecomarte.com.br


Deslumbrado



Aquela estrela vermelha
caindo no meio do oceano
foi um tremendo engano,

era meu olhar alucinado
com você ao meu lado
à lamber minha orelha,

havia uma fogueira incandescente
nos olhando demente no exato momento
que eu te lambuzava de ungüento,

e nesse mesmo instante a estrela vermelha
explodiu-se no mar chuviscando ardência
nos quatro cantos do mundo da minha ilusão
de prazer sem razão, e aflita querência.


maria Júlia Pontes

Aflição


As feras rondam-me famintas,
farejam o gosto de sangue
impregnado no meu olhar
e minha alegria extinta,

cansada desse auspício
ensaio uma queda livre
no mais próximo precipício.


Maria Júlia Pontes

Revelar


Minhas minas
explodiram
seu passado
sentado na geral,

a bomba armada
foi proposital,

você acendeu
o estopim,

o fogo,
já estava
em mim,

explodimos
na platéia
inanimada

sem necessidade
de me fazer de rogada,

e num show
pirotécnico,

desvendamos
nosso mundo
multi-étnico.


Maria Júlia Pontes

Anomalias


A beleza da face
que me deram,
um regalo,

tento escondê-la
entre meus versos
sem fisionomia,

e apunhalo
cada traço,

assim refaço
minha perfeita
anomalia,

então entorno
caldo quente
nas entranhas
que adorno,

e sou febre,
calor aferventado
nas noites
que você - afogueado

desliza entre minhas pernas, e hiberna.


maria Júlia Pontes

Cáceres meu cais


Quando a tarde cai
embriago-me das odes sagradas
entoadas pelos cantos do meu cais,

quando a tarde vai
o vermelho laranja
afogueado reflete
meu corpo que navega
pelas águas do Paraguai

Cáceres movimenta-se oblíqua
em minha direção,

toco as vitórias-régias
num tom verde enluarado,

e a noite dança inquieta
sobre as ondas do meu rio
que se agita a cada entoar
das vozes unidas para sempre
nos ecos da minha memória,

riscando o Paraguai está
grande parte da minha história.



maria Júlia Pontes (Imagem Cáceres-MT)

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Quereres


Os meus quereres

ondulam alto

num planalto

de Zimbábue,


atravessam o Kariba

em pecados originais

que me inundam

com suas águas artificiais,


então versejo pecados abusivos,

que escorrem do seu corpo persuasivo

no meu, fricativo de branca louca

dourada pelo sol de Zimbábue


os meus quereres

são girafas rupestres,

são delírios correndo

atrás de foguetes

por todo globo terrestre.


Maria Júlia Pontes Imagem (Kariba- Zimbábue)

Às favas


Me esquivo diante de seres assim

passivos e ao mesmo tempo corrosivos,

corroem pelas beiradas feito soda cáustica

com uma rapidez imprescindível,

a minha face amarela não derrete

feito vela, porque me basto, me afasto,

a redoma que inventei não foi por acaso,

nada é por acaso, nem o sol nasce a troco

de alguns centavos,

as abelhas não constroem à toa os favos.







Maria Júlia Pontes (AC)

Anoitecer no Tietê


Esse bem querer

Que carrego

Me pesa nos ombros

Em noites assim,

Chuvosas em que me vejo

Rasgando a Marginal

Pra não doer sozinha,

Cada acelerada é como

Uma viagem pra nenhum lugar

Os caminhões parecem maiores,

O Tietê não me incomoda,

Ele me ajuda engolindo parte

Da sensação dolente,

Algumas vezes penso em navegar

De carro, isso mesmo, boiar no Tietê

Em plena luz da lua que nem sequer apareceu

E lá deixar uma parte desse doer...

E anoitecer de vez.



maria Júlia Pontes (AC)

Samba sem cordão

Vou assistir você deitar e rolar
escolher o lado que pretende sambar,
tirar os sapatos dessa alma dura
e apertar os passos sem qualquer frescura,

o tempo se perdeu só por prazer
de nos ver enlaçados pelas escolhas
o lado esquerdo é enredado e faz doer
encarcera, adultera, e cria bolhas,

e na avenida das desolações,
vou entoando meus desejos e bordões,

em coro lento, tamborim desatinado,
enlouqueço o surdo e então me mudo
pro lado que o samba ecoar cadenciado
e a cuíca chorar pedindo agrado,

lá vou eu uma vez mais, sem o meu chão
no tal samba amarrado e sem cordão,
sem estandarte, sem baliza e nem bastão,
apenas mais um samba, que não é canção

conheço bem seu gingado e sua fissura,
vem cá me agarra e me encha de loucura.




Maria Júlia Pontes